1 de jun. de 2007

Sonho e realidade

Falamos em tom de troça da velha pergunta que se fazia às crianças: "o que você quer ser quando crescer?". O cômico, quase sempre, procede do ato de apresentar a indagação àqueles que, pelo menos à primeira vista, já não possuem mais o que crescer. O tempo passou, o corpo mudou, o amanhã é "hoje" ou, pior, já virou "ontem". Perguntar às crianças, por sua vez, significa penetrar na leveza própria do mundo infantil, permitir o vislumbrar de um horizonte que se alarga indefinidamente, como se fosse só questão de vontade fazer de todo o sonho uma realidade. Nada destoa mais deste frescor da alma do que o mundo claustrofóbico, limitado e cinzento, que é onde, em geral, vivem os adultos.
O sonho representa um vôo esperançado para frente, para um porvir melhor. Todos nós, ao longo de nossas vidas, vivemos uma infinidade de experiências e, principalmente durante a infância, muitas destas deixam marcas indeléveis em nossas histórias e personalidades. Quando crianças, idealizamos um paraíso próprio, um mundo aparte, representado por uma profissão, uma casa, uma família ou uma carreira, às vezes apenas alguns objetos. Fragmentos da imaginação depositados no caprichoso e indiferente terreno daquilo que virá a ser. Estas projeções trazem consigo a influência direta do que foi vivido e da forma como isto foi assimilado. A aspiração por uma carreira de sucesso, por exemplo, pode encontrar o seu nascedouro na busca pela compensação de uma humilhação sofrida na infância. Então, os sonhos motivadores dos nossos grandes projetos acabam por ocupar a centralidade do universo psíquico. Alguns se sentem tão acalentados por estes sonhos que os guardam ao longo de toda a vida, como o último bastião em defesa da inocência perdida, perseguindo-os obstinadamente, por vezes deformando-os e adequando-os à crueza do mundo "real", preferindo condená-los à deturpação antes que entregá-los ao abandono. Não se trata da superação da realidade passada, com a devida reelaboração das suas nuances mais perturbadoras, é a tentativa de retorno, onde se busca não somente o resgate, mas a oportunidade de reviver o momento pretérito de uma forma idealizada, sonho que, pela sua impossibilidade, é sempre condenado à frustração. Muitos de nós, quando concebemos o porvir como superação do passado ou do presente, não percebemos que, mais do que ansiar por um futuro melhor, trazemos conosco o desejo inconsciente de reviver o passado de outra forma e, realmente, muitas de nossas atitudes podem tender para isso.
O ser humano não é uma coisa, antes disso é um movimento e, na qualidade de seres indefinidamente cambiantes, somos confrontados por uma dinâmica inefável e intransigente. Podemos insistir em não querer perceber esta realidade de contínua transformação, mas não podemos interrompê-la ou evitá-la. Assim como o organismo modifica-se continuamente, também se alteram os estados psíquicos, a interioridade. Nossas mais elevadas aspirações não fogem a este processo, embora, ao mesmo tempo, se afigurem como manifestação do nosso anseio por perenidade, por estabilidade, por segurança.
Diante disso, é possível notar que o processo de amadurecimento relaciona-se justamente com o percurso que o homem realiza, em sua existência, passando por situações agradáveis ou desagradáveis, dolorosas ou prazerosas, motivadoras ou desanimadoras, e com a forma como ele concede a si mesmo maior ou menor flexibilidade para transformar as suas aspirações, ou seja, integrando as suas perspectivas com as experiências vivenciadas.
O cotidiano é o palco de confluência de todas estas vertentes, onde são confrontadas as experiências tidas ao longo da vida, as marcas por elas deixadas, os sonhos e os temores com os quais revestimos o espanto, a impotência e a inquietude diante do mundo; a inevitabilidade da mudança constante, a necessidade de contínuo amadurecimento e o persistente impulso de prosseguir existindo.
Diante do complexo meandro que é a vida, flexibilidade significa desenvolver a capacidade para abandonar certos sonhos, valores, crenças ou ideais. Não porque nos desenvolvemos em cinismo, perdendo toda a possibilidade de esperança ou magia, passando a carregar no coração uma amargura doentia em relação à vida, mas pelo reconhecimento de que algumas aspirações, quando sacadas do universo que lhes deu origem, são pequenas e vazias, representando somente o apego que temos a certos aspectos mesquinhos de nossa personalidade.