28 de out. de 2005

Sobre algumas perplexidades

Penso que ninguém aceita com facilidade o fato de que há momentos em que o discernimento simplesmente naufraga.
Parece difícil explicar o porquê de, num instante estarmos nos sentindo seguros daquilo que sabemos, do que compreendemos e do que podemos fazer, e no outro sermos tomados por todo o tipo de dúvidas. Se voltarmos a nossa atenção para a constituição frágil da nossa habilidade de conhecer, inclusive no que concerne ao entendimento que temos de nós mesmos e, além disso, percebermos que a vida impõe a cada momento um novo cenário, nada pareceria mais natural do que o fato de que não temos todas as respostas, sendo que aquelas que possuímos são escassas, parciais e provisórias, senão equivocadas.
Quando pensamos em conhecimentos, normalmente os concebemos dentro de sentidos práticos e objetivos. Se incomoda não ter controle sobre os fenômenos que nos rodeiam e nos afetam - ao mesmo tempo em que buscamos, desde tempos ancestrais, dominar suficientemente o nosso ambiente para não nos sentirmos ameaçados - é preciso reconhecer que o nível de desconhecimento e de incompreensão que nutrimos em relação a nós mesmos, por si só, já é móvel de uma intranquilidade, de uma angústia, de um desconforto.
Um olhar superficial já revela que temos a tendência comum de objetualizar os sentimentos, ou seja, a cada sentimento atrelar um objeto. Desta maneira, ao nos sentirmos enfurecidos, buscamos o objeto deste enfurecimento; ao situar este objeto, seja de forma adequada ou não, ele passa a simbolizar o próprio sentimento e a sua presença evoca sempre a respectiva imagem construída. O mesmo se dá quando nos sentimos alegres em presença de alguma pessoa. A partir de um dado momento, objetualizamos a figura desta pessoa, transformando-a no móvel da alegria, sendo que, nos momentos de tristeza, o que buscamos é o objeto que identificamos como motivador do sentimento desejado.
Ninguém nega que, neste processo, se dão sentimentos negativos e destrutivos, assim como, sentimentos positivos e construtivos. O que se sobressai, porém, é a distorção que alimentamos e que fatalmente nos conduzirá a rompimentos sucessivos com o discernimento que temos destas relações entre sentimentos e objetos. Não é possível que a fruição de um dado prazer propicie sempre e continuamente a mesma cota de satisfação. De igual maneira, não é possível que a presença de uma pessoa amada produza sempre uma mesma intensidade de alegria. Assim fica fácil perceber que transferimos a instabilidade das nossas relações internas para as nossas relações com o mundo.
Sentimentos que normalmente vinculamos ao bem-estar, como o prazer e a alegria, se referem mais a perspectivas existenciais próprias do ser humano (de forma geral) e do indivíduo (de forma particular), do que a uma relação verdadeira e legítima entre sujeitos e objetos. Em outras palavras, a legitimidade da alegria sentida em uma dada experiência não se deve à legitimidade do laço que une aquele que está fruindo e aquilo que é fruído. A legitimidade se encontra no momento em que se avizinham a experiência vivenciada e uma forma de autenticidade intrínseca a nossa condição, fazendo com que não hajam objetos propriamente ditos ou rotas de ligação entre estes e a nossa fruição "alegre". O que há é um trânsito, uma aproximação com aquilo que somos, onde nos identificamos e nos sentimos mais plenos, mais fortes, mais seguros. Como, por força do hábito, não reconhecemos isto, acabamos por presenciar a diluição nos nossos sentimentos positivos, conforme se diluem as imagens que possuímos de nossos objetos de satisfação, sobrando por fim um vazio, uma falta, até que identifiquemos um novo objeto, uma nova escolha.
Não é difícil perceber, então, que o nosso discernimento naufraga por tentar se firmar em bases demasiadamente escorregadias, mesmo que faça isto com uma pretensão de segurança e solidez. A vida é, essencialmente, uma corrente fluida. Acredito ser possível conduzí-la por determinados caminhos, mas lastreá-la, fixá-la, amarrá-la a algo com a intenção de retê-la, segurá-la e dominá-la é um exercício que só conduzirá a uma anulação, porque a sua natureza íntima é justamente o oposto de tais intenções.
Uma reflexão não muito profunda já revela que o nosso incômodo é indicativo de que exaurimos algo em nossas concepções de realidade e de vida. A consonância com esta percepção nos obriga, então, a aceitar que o nosso discernimento naufraga em alguns momentos para que possa se revitalizar e continuar possibilitando o movimento contínuo, indicativo real de que ainda estamos vivos e de que não somos somente autômatos que arrastam os seus andrajos por uma superfície áspera, sem nunca encontrar um lar.

23 de out. de 2005

Algumas considerações acerca da alegria

“Os filósofos que especularam sobre a significação da vida e sobre o destino do homem não notaram suficientemente que a natureza deu-se ao trabalho de nos informar por si própria acerca disso. Ela nos adverte, por um signo preciso, que o nosso destino foi atingido. Este signo é a alegria.” – Henri-Louis Bergson

Qual o melhor termo a ser usado quando tratamos do nosso momento histórico, da nossa época? Normalmente, na pretensão de sermos rigorosamente corretos, diríamos contemporaneidade. Termo formal, simples e de sentido inequívoco.
Se tomarmos esta “contemporaneidade” e tentarmos identificar alguns sinais que lhe são definidores, notaremos que há pensadores que se arriscam, ainda que de forma controversa, a qualificar este tempo como pós-moderno (vide Lyotard e Vattimo) ou pós-industrial (não é este o termo empregado por Domenico Di Masi?). Há a possibilidade de ouvirmos dizer, também, que é o fim dos tempos, o fim do mundo ou, simplesmente, o fim da picada. Para mim é a época da tristeza.
Somos frutos do nosso tempo e isto, com grande freqüência, afeta a nossa capacidade de ter uma perspectiva histórica em relação ao que somos e à sociedade como um todo. Por isso, quando digo que vivemos um tempo de tristeza, trago comigo a parcialidade da época que me condiciona. É bem possível que outras épocas fossem muito mais tristes e miseráveis que a nossa, porém creio que hoje estamos despertando para a nossa tristeza e isto a torna mais presente, mais palpável.
O trato das emoções é complexo e não somente pelas emoções em si, mas também pela forma como conduzimos o nosso esforço de compreensão. Historicamente, a tradição do pensamento ocidental, século após século, consolidou a sua devoção à razão. Primeiro a razão era um movimento de organização, depois uma predisposição, depois uma faculdade humana e, por último, a essência do ser humano. Não é à toa que filósofos como Nietzsche e Kierkegaard se entregaram à tarefa de desmistificar este autoritarismo racional.
Ao tratar da emoção, temos que cuidar com o fato de que, naturalmente, somos direcionados a interpretá-la de forma dicotômica no ser humano, dentro de uma relação de antagonismo com a razão. Não creio que isto corresponda a nossa realidade. Não creio que haja esta linha clara e precisa que estabeleça domínios opostos e inconciliáveis. Pensemos que, na medida em que a razão alcançou o status de ser reconhecida como o próprio homem, em sua porção mais nobre e elevada, e considerou-se que as emoções nos afetavam de tal forma que nos desencaminhavam, chegou-se com facilidade às paixões e ao seu sentido literal (de passione, em latim, sofrer). Paixão é o que se sofre, o que nos afeta, é algo que não temos controle, que vem de fora para dentro, até o extremo de tê-las como expressão da porção animal do homem.
Esta herança distorce a forma como interpretamos as emoções, aliás, a forma como entendemos a sua interpretação, pois acreditamos que o conhecer, que não é outra coisa senão interpretar a realidade, é fruto de uma atividade racional. Pensamos, então, que as emoções não são interpretadas, apenas acontecem. Dão-se de uma maneira espontânea e interferem negativamente na nossa capacidade de julgamento. Há um engano contundente nesta visão, pois as emoções também são compatibilizadas com o contínuo processo de interpretação que é a vida. Sentimos e a este sentir atribuímos significados particulares e gerais.
Espinosa percebeu, diante da relação intrínseca que há entre o ser humano e o mundo, que era inevitável o fato de que afetamos e somos afetados continuamente. Reprova todos aqueles que colocam as paixões humanas como típicas de uma inclinação inferior. Atesta a indissociabilidade das emoções em relação ao que somos. Por outro lado, reconhece que há paixões (por ele melhor denominadas de afecções) positivas e negativas, reduzindo-as a apenas dois tipos: alegria e tristeza. O amor, o júbilo e a esperança são afecções “alegres”. O ódio, o ressentimento, a frustração e o desespero são afecções “tristes”.
Diz ainda que a essência do ser humano é o esforço de perseverar na existência, portanto gera alegria o que aumenta o nosso poder de perseverar na existência (conatus), gerando tristeza o que diminui este poder. Como Espinosa reconhece que há a interação do homem com o todo, as afecções resultam de “encontros” e a alegria provém de “encontros alegres”. Deste modo, a nossa liberdade se volta para reconhecer esta realidade e buscar incentivar a alegria, através de “encontros” que gerem afecções positivas e aumentem o nosso conatus. O problema aqui é que, na maior parte das vezes, os homens são guiados por percepções confusas e mutiladas da realidade, procurando aumentar o seu conatus em coisas que lhe são externas. É neste sentido que acabamos por buscar a alegria nos tradicionais bens que as sociedades sempre reconheceram como maiores: a riqueza, as honrarias e a concupiscência.
Bergson também dará um papel importante à alegria, como signo engendrado pela natureza para dizer que o homem alcançou o seu destino. Não se pode dizer que ele afirme claramente uma disposição teleológica da alegria, mas sim que esta é a conseqüência e índice que nos mostra que estamos fazendo o que corresponde à natureza intrínseca da vida. Há uma certa proximidade com o conceito aristotélico de felicidade (eudaimonia), na medida em que Aristóteles acreditava que o caminho da felicidade passava pelo desenvolvimento das faculdades humanas, num sentido muito presente em sua filosofia de telos (finalidade, causa final), porém o estagirita deixa pistas de que acredita que a faculdade mais importante do homem é a razão e aí se limita. Sempre entendi este telos como uma necessidade de adequação ao que somos. Imaginava que os pássaros, dotados de asas e da capacidade para voar e presos ao chão, se tivessem consciência suficiente de si mesmos, seriam infelizes.
Voltando a pensar na tristeza, que parece delinear a têmpera de nossos dias, podemos notá-la pelas suas variadas manifestações conhecidas, a saber, a depressão, a angústia, a ansiedade, o medo, a insegurança, a frustração, o desencanto e a desesperança. Creio ser de senso comum que ninguém (ou praticamente ninguém) se sente confortável triste e, ao ser tragado por este sentimento, é natural que busquemos, algumas vezes mais profundamente e em outras menos, suplantá-lo. A cura para esta tristeza epidêmica, no meu entender, quase sempre se volta para regiões distantes da fonte onde o mal é gerado. Soma-se a isso que normalmente confunde-se alegria com prazer e, não há como negar, a sociedade atual atingiu certos níveis de excesso em termos valor concedido ao prazer e às formas de satisfação hedonista. Esta distinção já destacada por Bergson, onde a alegria representa o triunfo da vida e o prazer um mero artifício da natureza para garantir a sua conservação, de forma geral, é muito pouco percebida e discernida.
A satisfação gerada pelo prazer passa a ser identificada como o estado almejado em oposição aos estados de tristeza. É notório, porém, que a satisfação oriunda do prazer possui um caráter superficial e extremamente efêmero. Grande parte da tradição filosófica trabalhou com a escravidão concupiscente derivada de certos prazeres como a gula, a embriaguez e a luxúria. Seria esta escravidão fruto da ânsia por afastar a tristeza de nossas almas? Seja assim ou não, é certo que os prazeres possuem esta propriedade de nos “distrair” de certas questões da vida.
A vida, em si mesma, padece de uma urgência, pois, enquanto pensamos e questionamos, ela está sendo. Por isso nos perguntamos de onde nasce a tristeza que temos e o que fazer para que a alegria se instale em nosso espírito?
Se formos tomar o caminho que considera como válida uma propensão teleológica inerente ao ser humano e condicionante de sua natureza, diríamos que a nossa tristeza advém do fato de que há uma falta de sintonia entre a forma como vivemos e a forma como deveríamos viver. Cumpre, então, definir que aspectos são mais comuns às vivências individuais e coletivas, os traços que marcam, que definem, as sociedades contemporâneas.
Nos deslocando neste sentido, poderíamos tratar da questão dos valores, pois são estes que atuam como referenciais, balizando a construção das escalas que determinam o grau de importância dos diversos objetos que ocupam os nossos pensamentos e ações. São valores comuns, ao longo da história da humanidade, o individualismo, a prosperidade, o reconhecimento público e o máximo de potência pessoal na satisfação dos desejos (normalmente vinculados a prazeres). Poderíamos dizer, também, que a afeição e o contato humano buscariam uma posição aqui, mas me parece que eles se inserem mais como uma necessidade vital do que como algo em que realmente se acredita. Com isso, podemos perceber que pode haver uma séria distinção entre o que admitimos acreditar e o que praticamos de fato. Considero como valores válidos os que realmente condicionam as ações e não aqueles que condicionam somente as aspirações.
Se formos notar esta série de valores preponderantes, notaremos que todos se relacionam com poder. O individualismo se mostra como a propensão de consolidar o poder do indivíduo enquanto tal, diante dos outros e do mundo. A prosperidade é o poder diante, primeiramente, das necessidades de sobrevivência e, depois, de consumar certos desejos. O reconhecimento público representa o poder de ascensão sobre os outros e a afirmação do poder individual. A potência pessoal nada mais é que um desdobramento dos outros.
Há algo que margeia todas estas esferas em que projetamos nossos anseios de poder, a saber, o fato de que não cogitamos que possamos ter algum domínio sobre os nossos impulsos, os nossos desejos propriamente ditos. Então buscamos estender o nosso poder à realidade que nos cerca.
Estando em uma condição em que nos percebemos, ainda que implicitamente, como indivíduos que não são de forma absoluta, senhores de si mesmo e muito menos senhores de uma realidade em que, como diz Heidegger, fomos atirados, que poderia nos restar senão uma profunda intuição de impotência, que tenta buscar a sua cura na posse de formas periféricas de poder que, não suprindo esta sensação de incapacidade, pelo menos a diluem em uma série de ilusões?
Se retornarmos a Espinosa, veremos que, na busca dos valores vigentes, considerados fundamentais, só podemos encontrar a diminuição do nosso poder de persistir na existência, só teremos encontros motivadores de afecções tristes e, conseqüentemente, afastaremos de nós a alegria.
As correntes que aprisionam o nosso espírito não são grossas e tangíveis, nem por isso deixam de ser fortes e resistentes. Estamos atados aos conceitos que herdamos e que reconstruímos em nós mesmos, conceitos estes que determinam a forma como entendemos e conduzimos a nossa existência.
A alegria se mostra, segundo Bergson, como fruto do esforço empreendido para materializar o pensamento, sendo o influxo deste que traz vida e movimento para a condição estática da matéria. É na criação contínua, no esforço de introjetar vida ao que é naturalmente inerte, que encontramos alegria. Se o esforço de criação traz a alegria, a maior criação é a de si por si, ou seja, aquela que envolve o “engrandecimento da personalidade”. Em relação a isto, aqueles homens de moral mais elevada, que situam a sua existência em um nível de contínua criação, onde “o movimento vital não encontra obstáculos”, representam um ponto mais alto de evolução: “Contudo, criador por excelência é aquele cuja ação, ela própria intensa, é capaz de intensificar também a ação dos outros homens, e generosamente iluminar núcleos de generosidade.” Com isso, ele nos convida a observar a vida daqueles que se destacam pela sua grandeza moral. “Para penetrar nos mistérios das profundezas, é preciso por vezes visar aos cimos”.
Não seria esta uma maneira distinta de passar uma mesma mensagem que, vinda de diversos lugares do mundo, de diversas épocas, de diversos homens, fala em amor, compreensão, tolerância, solidariedade, desapego e humildade? Não seria a contínua afirmação de que as coisas que, normalmente, parecem possuir mais valor e a que dedicamos todo o nosso esforço são aquelas que nos conduzem à tristeza? Não seria a afirmação da possibilidade de vivermos uma vida “alegre”, algo muito superior a nossa tradicional aspiração por felicidade? Não sei a resposta, mas que vale a pena considerar isso, certamente vale!

20 de out. de 2005

Devaneios...

Nietzsche diz que o homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem, sobre um abismo. Ninguém atestaria objetivamente se há uma veracidade implícita nesta afirmação e nem precisaria isto, pois qualquer um que se debruce para contemplar a si mesmo com atenção, acrescentaria ainda que a corda é bem fina e balança.
Poderíamos discutir acerca da nossa natureza, se há um caminho de evolução ou não, acerca de nossa origem e do nosso fim, mas não precisaríamos discutir acerca do fato de que aquilo que entendemos como sendo nós mesmos é algo delgado e fugaz. Não temos a rigidez que percebemos na rocha, não temos a sua definição e seu peso.
Nosso corpo pode parecer suficientemente sólido para que possamos acreditar nele sem reservas, mas aquilo que o percebe, que o distingue e que afirma a sua existência é uma consciência que se agarra a esta pretensa solidez para não ser tragada pelos ventos da incerteza.
Há momentos em que conseguimos perceber que a existência traz consigo o deslocamento de quantidades enormes de energia, de vitalidade, energias que, por vezes, nos engolem, nos devastam, pois elas acontecem em nós sem o nosso conhecimento, sem o nosso consentimento, sem a nossa compreensão. Entretanto, estes movimentos são intrínsecos à vida, aliás, são a vida propriamente dita, sendo que eles nos acordam do torpor com que a matéria e sua estagnação contaminam o viver, propriamente dito.
Não há muitas opções, é preciso caminhar nesta fina e balouçante corda, pois é isto que aquilo que somos exige de nós. E o abismo? Ele que fique onde está, porque o meu caminho é aqui.

18 de out. de 2005

Esperança

Ter esperança é um saber esperar diferente.
É esperar, sabendo que, se esperar direitinho, vai valer a pena esperar.
Ter esperança é botar um pé naquele mundo onde habitam os sonhos.
Ter esperança é trocar uma esperança por outra, prá nunca dizer que não há esperança.
Ter esperança é fechar os olhos quando se beija, esperando que o outro também faça.
Ter esperança é olhar diferente pro mundo, vendo o que quase não se vê.
Ter esperança é apagar a luz e não ter medo do escuro.
Ter esperança é só esperar?
Não, é o saber esperar diferente.
É botar os tijolos, um ao lado do outro, direitinho, porque no final virá a casa.
É esperar a chuva passar, porque depois vem o sol.
É esperar a noite passar, porque depois vem o dia.
É fazer o dia ser melhor por acreditar que o dia pode ser melhor.
Ter esperança é botar a cara para apanhar, porque só caem os que desanimam.
Ter esperança é ser forte de tanto não ligar para a própria fraqueza.
Ter esperança é viver a vida e não sofrer a vida.
Ter esperança é não olhar pro fim, mas pro caminho.
Ter esperança é deixar explodir o peito e falar o que se sente.
Ter esperança é amar e achar que isso basta.
Ter esperança é acreditar.

Ter esperança é ter esperança.

Devaneios...

Há um vento frio soprando do sul... Sempre há...
Queremos calor, insólito calor que envolve, protege e deixa crescer.
Lembro do filme A Encruzilhada...
Willie Brown de volta ao local onde houvera, muitos anos antes, feito um pacto com o diabo, tal e qual conta o mito sobre Robert Johnson.
O que pretendia agora Willie Brown? Simplesmente desfazer o pacto.
Obviamente, o contratado apresenta um papel onde consta a assinatura do contratante e fala calmamente que, segundo aquele papel, o acordo ainda estava valendo.
Willie Brown resmunga, reclama, protesta, nada foi como ele queria. Não ficara rico, estava velho e doente. É, nada tinha sido como ele queria...
O diabo simplesmente responde:
- Willie Brown, nada nunca é do jeito que nós queremos!
(Por que sempre é o diabo que tem mais bom senso nas histórias?)
Ele tinha razão, toda a razão...
Nada nunca é do jeito que queremos! Nada nunca acontece no tempo que esperamos. Ou aquilo que desejamos não acontece, ou, se acontece, não é como tínhamos desejado. Faz chuva quando queremos sol, faz sol quando precisamos de chuva. Estamos rodeados quando queremos ficar sós, estamos sós quando precisamos de alguém. Coisa maluca, mas a vida é assim...
Isto até poderia ser um fato que nos desanimasse, se não fosse por um pequeno detalhe...
Acreditamos demais nos nossos desejos!
Penso que uma das coisas que mais nos enganam são justamente os nossos desejos. O problema não está no impulso que nos arremessa em direção às coisas, porque isto é próprio da vida, este movimento, esta intenção. O problema sempre esteve na forma como compreendemos este impulso. Pouco entendimento temos de nós mesmos e mais do que reclamar da oscilação do mundo frente aos nossos desejos, deveríamos nos quedar inquietos com as oscilações de nossos desejos diante do mundo.
Procuramos vida, procuramos alegria, procuramos felicidade, mas com muita freqüência onde elas não estão...

Nada nunca é do jeito que queremos! Ainda bem!

13 de out. de 2005

Inquietude

Inquietas são as águas dos mares, dos rios e daqueles que choram
Inquietos são os ventos que envolvem as manhãs frias de agosto
Inquietos são os corações que amam, os corações que esperam
Inquietas são as horas sem sono, são as memórias sem rosto

Inquieta é a alma que, sendo pouca pra si, aguarda um encontro
Inquieto é o beijo que, com fúria incontida, espera tragar o outro
Inquieta é a tua mão que em nada repousa e se sacode no ar
Inquieto é o desejo que não há volúpia que consiga saciar

Inquietos são os que vivem. Inquietos são os poetas
Inquietas são as súplicas aos céus, entoadas como uma canção
Inquieta é a forma estranha e sutil com que me afetas

Inquieto é hoje e será amanhã o meu coração

12 de out. de 2005

Falta...

Às vezes parece que tudo é falta na vida.
Falta tempo.
Falta dinheiro.
Falta amor.
Falta sinceridade.
Falta afeto.
Falta confiança.
Falta uma pessoa...
Faltou luz ontem.
Faltou gás com o feijão cozinhando.
Faltou pouco para o nosso time ganhar.
Faltou fôlego no último pique.
Faltou água embaixo do chuveiro.
Faltou coragem para dar aquele salto.
Faltou boa vontade com aquele chato.
Faltou solidariedade com quem estava do lado.
Faltou humildade.
Faltou um sorriso.
Faltou paciência.
Faltou tolerância.
Faltou esperança...
Faltou perceber que não se precisa de tudo que parece fazer falta.
Faltou perceber que há coisas que fazem uma falta...

7 de out. de 2005

Penélope

A mesma dedicação empregada durante o dia em trançar - com uma elegância, precisão e beleza de acender a inveja da própria Aracne – a tapeçaria que significava abandonar o seu Odisseu e a obrigação de escolher como marido um dos fanfarrões oportunistas que a assediavam, como abutres à carniça; Penélope empregava à noite, desfazendo o trabalho diurno, na esperança de ganhar tempo suficiente para o retorno de seu amado, ausência que já se estendera por tantos anos.
Pragmás, amiga de longa data, tanto quanto os energúmenos que se embriagavam no salão embaixo, também não concedia descanso à pobre Penélope, mulher que o próprio tempo se recusara a roubar a beleza, em respeito a sua firmeza de caráter e virtude:
- Mulher, o que tem em teus miolos? Por que te dedicas incansavelmente a estas lides de Sísifo, se bem poderias viver de forma mais tranqüila, aproveitando melhor a vida, que bem o sabes é curta e recheada de infortúnios? Tu, eleita dentre as eleitas de Ítaca, por que - não querendo servir a outro homem que o teu Odisseu, que nem sabes se está vivo ou morto, ou se deliciando nos braços de alguma princesa exótica em portos que sequer imaginas existir – insistes em servir somente a tua teimosia e veleidade? Por que viver como uma escrava inútil, que sobrevive graças à bondade de seus senhores, e não como a rainha que és de fato?
- Cara amiga, não compreendo porque te incomodas tanto esta situação? Na verdade, o mundo que os homens construíram, tantas vezes nos cobra, a nós mulheres, pesados tributos, mas o que nos restaria se permitíssemos que eles nos tomassem, depois do corpo, da liberdade e da vontade, até mesmo o nosso espírito?
- Espírito!? Que fazes com o teu espírito!? Matas a tua fome? Sacias a tua sede? Satisfaz os teus desejos? Te abrigas das chuvas e dos animais? És reconhecida e invejada pelos que te rodeiam, graças ao teu espírito?
- Tens razão... Todavia, é ele que me permite ser o que sou. Comemos para quê? Comemos para viver. Muitas vezes haveremos de comer por prazer e não creio que haja um mal tão grande nisso, se esse hábito não for uma escravidão que nos transforme em fantasmas estúpidos e bestiais, glutões concupiscentes que tentam preencher o vazio que trazem em seus corações com as iguarias que consomem pela boca. Não é diferente com a bebida ou outros prazeres da vida que, tanto quanto podem afirmar que estamos vivos, podem também nos tornar meros simulacros de homens e mulheres. Para quê nos empenhamos em comer, beber, nos abrigar ou sentir prazer, senão para nos mantermos vivos? Como poderia eu, então, permanecer viva se queres que, antes de tudo, mate o meu espírito? De que valeria sustentar um corpo ou uma vontade de algo que já se perdeu por não possuir coragem suficiente para ser o que é?
- Não sei aonde pretendes chegar com tais divagações que pouco combinam com uma mulher e que em nada podem te ajudar. Esquece tais delírios que devem ser fruto da combinação perigosa de uma mulher com fogo e da falta de um homem em sua cama. És Penélope, rainha de Ítaca, não há como ser de outra forma até que sejas chamada ao reino de Hades. Por que guardas tanta fidelidade ao teu esposo, que sequer deves lembrar a face?
- Não sei se te entendo bem...
- Eu é que não te entendo!
- Falas da fidelidade ao meu esposo e não nego que assim o seja, mas há uma fidelidade maior que esta e que me é mais cara.
- Que fidelidade seria esta?!
- Fidelidade ao que sou! Sou aquela de vontade firme e crença inabalável. Sou aquela que, determinada a viver só antes que sem o seu esposo, aceita ser uma mendiga, mas não uma rainha corrompida. É isto que sou, é assim que me reconheço. Fazer diferente do que faço seria destruir a Penélope e me transformar em uma outra coisa menos digna de mim mesma. Não me considero melhor nem pior que qualquer outro ser vivente. Na condição de rainha não cultivo qualquer vaidade, orgulho ou egoísmo, mesmo assim, os deuses que me perdoem, me agrada ser da forma que sou e não estou preparada para ser outra coisa. Não creio que, se seguisse este caminho, aparentemente, fácil que me ofereces – reconheço que pensando no meu bem – eu tornaria os meus dias melhores. Antes disso, querendo viver de uma forma cômoda, expulsaria a vida que há em mim e que faz com que me considere bela e viva.
Esta foi a última gota d’água, Pragmás saiu resmungando:
- Mulher maluca esta...

4 de out. de 2005

...

"Por que, em vossos pensamentos, temeis tanto a morte se, em vossa curta existência, agis como se temêsseis a vida?"

3 de out. de 2005

Devaneios...

Entendo com relativa facilidade o fato de que todos queremos, ou acreditamos querer, ser felizes.
Entendo com mais facilidade o fato de que, na maioria das vezes, não possuímos uma idéia definida do que venha a ser felicidade.
Entendo que a palavra felicidade talvez não expresse aquilo que queremos dizer quando a usamos, mas entendo que ela é só uma palavra.
Entendo que sofremos, quase sempre, por nós mesmos. Somos vítimas das nossas fraquezas, do nosso orgulho, do nosso egoísmo.
Entendo que complicamos as nossas vidas com uma intrincada teia de desejos e quereres que servem para nos distrair do fato de que nos sentimos pequenos diante do mundo e da nossa existência.
Entendo que está em nós o poder para tornar tudo mais simples, belo e puro.

Só não entendo o porquê de não fazermos isso...