15 de jul. de 2005

Artigo - Um Filme

Assisti há alguns meses atrás um filme chamado "Visões" (o título original é "Imagining Argentina", baseado numa novela homônima e premiada do escritor americano Lawrence Thormton). Este filme tem como protagonista o personagem de Carlos Rueda (interpretado por Antonio Banderas), um diretor de teatro infantil que vive o drama do desaparecimento de sua esposa, a jornalista Cecília (interpretada por Emma Thompson), após a publicação de um polêmico artigo de sua autoria.
Misturando ficção e realidade, a narrativa usa como cenário a ditadura militar Argentina que durou de 1976 a 1983 e foi considerada uma das mais violentas entre as ocorridas na América Latina (nós também tivemos a nossa versão tupiniquim, com a respectiva cota de torturas e assassinatos). Estima-se que este regime tenha se incumbido de fazer "desaparecer" cerca de 30.000 pessoas.
O filme foi vaiado na sua apresentação na mostra competitiva, no Festival de Veneza de 2003 e, desde então, passou a ser considerado pela crítica "especializada" como um trabalho que dá um tratamento infantil a uma temática tão séria e delicada. Puro intelectualismo de revista, ignorância disfarçada e preconceito ridículo. Na realidade, as críticas se centraram em, principalmente, dois aspectos: o primeiro é que o diretor não é fiel aos fatos históricos e, em segundo lugar, que Carlos Rueda, após o desaparecimento de sua esposa, é acometido de uma vidência que lhe permite vislumbrar o que aconteceu com algumas das pessoas desaparecidas. Sem sombra de dúvida, foi este último aspecto que fez o filme cair em descrédito. Alguns afirmaram que o drama real se viu colocado em segundo plano pela "fantasia-macumba-paranormalidade" de Rueda, fazendo com que tudo parecesse uma pantomima e não o retrato de um momento histórico deplorável pelo qual passou a humanidade.
Ao contrário dos "críticos", a impressão que me ficou foi que a vidência do personagem não arremessou a história para um surrealismo estupidificante, mas justamente para o campo da humanidade em sua dimensão existencial, ocupando um papel mais periférico a sua contestada paranormalidade. Para quem tiver dúvida, todos os elementos envolvidos em uma ditadura sanguinária estão no filme: seqüestros, assassinatos, torturas, estupro, angústia, desespero, opressão, medo, insegurança e dor, muita dor. Dor física e dor psicológica.
Me lembro que, ao terminar de ver o filme, fiquei pensativo e distante. Pensei primeiro no fato de que os seres humanos são sempre assombrados pelo fantasma da própria brutalidade, porque ao contemplarmos a bárbarie de outros tempos e lugares, tanto quanto nos condoemos das dores sofridas, tememos que um dia elas retornem sobre nós e sobre aqueles que amamos. Além disso, me perguntei se, pelo fato da força da opressão não ser visível, ela não poderia sobreviver de uma forma que nós não a víamos, embora seguíssemos os seus ditames? Em outras palavras, estaríamos mesmo livres da ação de homens que, necessitando, se utilizariam dos mais torpes e vis expedientes para alcançar os seus intentos? Pensamos que os anos de chumbo sobrevivem hoje apenas como uma amarga lembrança do passado, pois não há mais a censura violenta para aqueles que falam. Não somos mais calados à força. Aí, então, me questiono se não somos mais calados por que temos liberdade ou por que não falamos mais nada que seja tão perigoso que precise ser calado? Para esta pergunta eu não tenho resposta, mas que ela assusta, assusta.