9 de set. de 2005

Artigo - Os Vícios

Trabalhei em uma empresa que estava em processo de falência. Durante alguns meses, antes de finalmente encerrar as suas atividades, ela não produziu nem pagou os salários, mesmo assim, os funcionários compareciam todos os dias, cumprindo religiosamente os horários. Ali ficavam, disfarçando, buscando o que fazer, esperando...
É natural que, nestas circunstâncias, haja um sentimento generalizado de insegurança. A maior parte das pessoas trabalha por necessidade e não por prazer. O sacrifício, senão a submissão diária, é parte do preço da sobrevivência. Poucas vezes pensamos nisto, mas não precisamos nos esforçar para perceber que cada qual traz consigo um drama, uma amargura que é mal ou bem resolvida, dependendo disso a qualidade e a quantidade dos sorrisos que oferecemos àqueles que compartilham de nossa caminhada. Naquele momento, a apreensão era por não saber como pagar a luz que já havia sido cortada, a água que ainda iria ser e, principalmente, como alimentar os que dependiam do dinheiro que não iria chegar.
As misérias humanas que realmente dóem não são ligadas a nada de pretensamente grandioso. Muitas vezes acreditamos que a frustração do atleta que ficou com o segundo lugar, do time que perdeu a final na frente de sua torcida, do candidato derrotado nas eleições, de não ter passado no vestibular, de ter tropeçado e caído na cerimônia de casamento ou de não ter passado de ano, são os maiores sofrimentos a que podemos ser submetidos. O que representam esses reveses diante da dor que acomete aquele que se vê pequeno, insignificante, despido da dignidade e da possibilidade de se conceder algum valor, por se ver reduzido à condição de incapaz para prover o sustento de sua família. Mesmo assim, os funcionários compareciam, menos por disciplina e fidelidade que por não saberem o que fazer e para onde ir. A grande maioria estava suficientemente domesticada para aceitar que, assim como não seriam mais alimentados, não eram mais subordinados a uma ordem que há bem pouco regulava as suas vidas.
Alguém que viveu passando a maior parte do tempo abaixado, estando aprisionado em uma casa demasiadamente pequena, ficará com as costas curvadas de tal forma que lhe impedirão de andar ereto. Igualmente, nós estávamos deformados para pensar e agir, como se ainda estivéssemos presos às invisíveis amarras do considerado conveniente e seguro. Percebo que tanto quanto nos ligamos às nossas rotinas, nos ligamos às nossas insatisfações, frustrações e medos, porque, como nos acompanharam ao longo do tempo, fazem parte daquilo que entendemos ser a vida, sendo difícil conduzir o pensamento por outros caminhos que não os já conhecidos.
Muitas são as prisões possíveis para um ser humano, porém acredito que a mais comum, persistente, dissimulada e deprimente é aquela que habita no interior do nosso pensar e escraviza a nossa maneira de agir. Jamais poderemos nos considerar livres se não percebermos isto com suficiente clareza e nitidez.