30 de set. de 2005

Artigo - Rascunhos

"Só vejo um meio de saber até onde podemos ir: é colocar-se em marcha." - Henri Bergson

Tentei me esmerar, sempre, em produzir o bem acabado. A coisa pronta, finalizada. Se me perguntassem, hoje, o que foi possível fazer seguindo tais anseios e eu respondesse com alguma franqueza, ainda que envergonhado, teria de dizer que quase nada.
Tememos a contestação, a crítica, a indiferença, a vaia e o desprezo, quando deveríamos temer a inércia. Todo o caminho tem os seus percalços, cobra os seus tributos, exige uma atitude, mesmo assim, para seguí-lo, é preciso estar nele, não na imaginação, não na antecipação, não na ansiedade, mas somente nos passos, no andar.
Nos preocupamos demasiadamente com o destino de nossas andanças, com aonde vamos chegar. Simplesmente esquecemos que só há um destino, comum a todos, para aquilo que chamamos vida, a saber, a morte. Se tivermos, em algum momento, dúvidas acerca do local para onde os nossos passos nos levarão, é certo que não precisamos duvidar do fato de que há esta escala obrigatória para todos.
Ao pensar seriamente na morte, notaremos que ela não passa de uma abstração. Não trazemos conosco uma experiência que possa servir de referencial para que estabeleçamos uma idéia clara do que representa. O máximo que poderíamos fazer seria esboçar uma relação negativa com a vida, fazendo isso, seríamos obrigados a defini-la, transformando-a em uma caricatura de si mesma.
Para um materialista, que vê no término da vida o respectivo fim da consciência individual, pensar na morte seria pensar na condição em que não há pensamentos e, obviamente, o fruto desta reflexão só pode produzir idéias difusas e incoerentes consigo mesmas, portanto vazias e sem sentido.
Por outro lado, para um espiritualista, que não reconhece esta conotação de término da consciência individual, a morte não existe e pensar nela não pode produzir resultado muito distinto da inocuidade de uma reflexão materialista, conforme dito acima.
Poderíamos concluir, então, que a idéia do fim, embora assombre a nossa existência, possui pouca utilidade, não conduzindo a qualquer forma de esclarecimento, senão ao medo e a fantasias que só servem para anular aquilo que é real: a vida.
Embora tenhamos a impressão de, ao tratar deste assunto, estarmos a falar de uma intersecção que nos nivela a todos em um mesmo ponto de finitude existencial, do exercício de refletir acerca da morte em si, nada podemos extrair.
Concebendo as coisas deste modo, a vida pouco se apresenta como a realização de alguma meta, sendo mais uma caminhada. Importam nela os passos que se dão, o ritmo que se anda, o caminho que se escolhe, a paisagem que a emoldura e o fluxo que a acompanha. Isto mesmo, vida é fluxo, continuidade, é em si e no devir. É um rascunho.
Diante disso, como pensarmos em obras acabadas? A obra acabada é a idéia morta que teve cessada a sua existência. Alguém disse que o artista não finaliza a sua obra, a abandona. Isto só acontece porque nós não podemos completar as coisas senão destruindo-as. A marca da vida é a existência de possibilidades. Findas as possibilidades, finda-se a vida.
Aquele que afirma a si mesmo não possuir possibilidades, acreditando estar preso a amarras que o impedem de ser e pensar de outra forma, sem o perceber, coloca-se naquele beco escuro que é o altar aonde são feitas as pregações em defesa de tudo o que é não-vida.