5 de set. de 2005

Artigo - Simplicidade Filosófica

Quando nos predispomos a compreender algo que não nos é familiar, pensamos que a primeira abordagem a ser feita é a dos aspectos mais simples que envolvem a questão estudada, tendo em vista facilitar o nosso acesso, através de uma eventual identificação do novo com o conhecimento que já possuímos. De certa forma, é isto que apregoa Descartes, quando defende que devemos partir dos problemas mais simples, evoluindo para os mais complexos, na medida em que as soluções forem encontradas.
Se aplicarmos isto à comunicação verbal, pressupomos que a formulação de uma frase já subentende a compreensão implícita das palavras que a compõem, embora o significado desta composição transcenda a pura soma de seus significados.
Parece simples definir o o significado de uma palavra, bastando-se recorrer a um bom dicionário, mas esta é uma questão, ao meu ver, ampla e instigante, visto que a palavra é um signo e, como tal, se reveste de toda a complexidade do processo de atribuir e interpretar os significados.
Quando penso em encontrar definições plausíveis de serem transmitidas, uma palavra que ocupa a minha atenção hoje e continuará ocupando por muito tempo é Filosofia. Obviamente, não levo em conta aqui as diversas aplicações cotidianas onde ela apaprece, no meu entender, de forma imprópria. Não pretendo tratar desta questão agora, senão usá-la para evocar uma perspectiva sobre o assunto.
Henri Bergson (1859-1941), filósofo francês, afirma que a Filosofia é simples, muito simples.
As noções pessoais que podemos construir acerca da Filosofia derivam dos diversos graus de contato que podemos ter com a sua prática. O contato mais distante e tênue provém do senso comum do grupo social do qual fazemos parte. O contato pode se dar, também, através de uma referência indireta de algum professor ou autor estudado. Por meio da atividade de cursar uma disciplina com vínculos estreitos em relação a algum pensamento filosófico. Da leitura de algum comentador. Da necessidade de se realizar um trabalho de aula. Da frequência em um curso regular de Filosofia. Na verdade, em todas estas circunstâncias, seja pela mística de quem desconhece, seja pela experiência de quem já se dedicou a profundos estudos, a opinião geral é aquela que vê a Filosofia como uma coisa muito complexa e de difícil compreensão (alguns dirão que, além disso, não possui utilidade alguma).
O que faria Bergson considerá-la, então, diferentemente da maioria, algo tão simples? Seria uma posição egoísta de alguém que arrogantemente, após adentrar certos "mistérios", resolve tripudiar dos que não possuem a mesma capacidade? Não, não é este o caso.
Bergson vê o discurso filosófico, ou seja, o conteúdo escrito das obras dos filósofos, como uma ação antecedida por uma intuição. Na sua compreensão, a realidade é duração e movimento. Ela se prolonga como um contínuo, sem início ou fim. A mente humana, no processo de torná-la inteligível, elimina o movimento, tranformando-o em uma sucessão de quadros estáticos, a exemplo de um filme, onde as diversas fotos são colocadas em sequência, dando a ilusão de movimento.
Assim sendo, Bergson distingue a inteligência da intuição, pois, se a inteligência fragmenta e congela o movimento, a intuição o percebe como é de fato. Então, o filósofo se esforça em descrever a intuição que teve, se utilizando da linguagem disponível, muitas vezes fazendo como a ciência, ou seja, aprisionando a realidade em uma imagem estática, devido à insuficiência de seu instrumento, a linguagem. Lembremos, porém, que este instrumento não serve apenas como meio de comunicação com os outros, a linguagem é utilizada para a construção da nossa própria compreensão. O nosso pensamento se manifesta como uma composição de caráter linguístico que expressa uma intuição original, distante da própria constituição daquilo que concebemos como real. Em virtude disso, na maioria das vezes, a nossa linguagem não somente é a forma como conseguimos expressar as nossas intuições, senão a forma como as compreendemos.
Neste sentido, Bergson diz que a Filosofia é simples, visto que a intuição que a motivou também é simples, elementar e pura. É o esforço de converter esta intuição original, primeiro em pensamento e, depois, em palavra, que torna complexa a expressão filosófica. Isto nos faz pensar que, talvez, além da compreensão intelectual que pode ser suscitada pelo texto, o escrito é também um esboço, uma insinuação de algo maior, não descrito explicitamente pela sua impossibilidade de sê-lo.
Se os intrincados meandros da tradição filosófica são a expressão de algo essencialmente simples, o que não se dizer do restante das nossas construções e até mesmo das nossas vidas. Não deve ser muito complicado perceber que a forma como o homem conduz as coisas, atualmente, não oferece perspectivas muito luminosas para o futuro próximo, ou estarei simplificando demasiadamente as coisas?