11 de set. de 2005

Devaneios...

Costumava ter uma memória prodigiosa e confiava nela como jamais confiei em ninguém (aliás, essa coisa de confiar, com relação ao que penso, renderia quilômetros de reflexões, ou uma tese). Tanto que, no tempo em que eu acreditava estar predestinado a ser um grande músico e compositor, escrevia as letras das músicas, mas jamais anotava os acordes, as linhas harmônicas e melódicas, a minha memória me sustentava.
Como já não me abalava mais com a instabilidade e conseqüente infidelidade das pessoas, a vida achou por bem me pregar mais uma peça e me mostrou que a memória também pode ser dolorosamente infiel.
É claro que sempre houveram coisas que faziam tropeçar a minha capacidade de lembrar. Sempre tive dificuldades para lembrar nomes, às vezes fisionomias e, quase sempre, parentescos. Como memória também tem haver com interesse, temo que esta dificuldade estivesse atrelada a pouco me importar com estas coisas, pois sempre acreditei que, por trás destas legendas, havia uma autenticidade, uma pureza, algo que melhor definia o ser humano que as etiquetas habituais. Nunca, jamais, esqueci os gestos, as atitudes. Com o tempo aprendi a perdoar e a desconsiderar, mas não a esquecer.

Porém, hoje, aquela memória instrumental que utilizamos para estocar milhões de futilidades está patinando. Talvez ela nunca tenha alterado a sua capacidade, como um hard disk de computador. Quem sabe fui eu que a preenchi com um número demasiadamente grande de lembranças. Guardei muitas pequenas imagens, sons e odores que acabaram por embaralhar o resto.
Penso, em alguns momentos, que é na lembrança do passado que imprimimos movimento ao presente e assumimos com inteireza aquilo que somos. Ou talvez isto seja apenas mais um dos meus devaneios, quem sabe?