22 de set. de 2005

Lições...

Mestre e aluno. Um em frente ao outro. O aluno solfejava todo atrapalhado a escala de dó no modo dórico (ele sempre teve dificuldades com solfejo).
Pausa para descanso, o aluno pergunta:
- Há toda uma técnica para cantar, não há?
- Claro que há! – responde o mestre.
- É claro que devemos estudá-la, não é?
- Se quiseres cantar bem, tens de aprendê-la.
- Tudo o que aprendemos, mesmo que a prática contínua nos permita executar à perfeição o que nos for solicitado, não pode simplesmente se esvaecer, diante de uma platéia, consumido pela comoção que os sentimento provocam.
- É claro que sim! Não aprendeste que, no canto, o instrumento é o teu corpo? Não sabes que, quando estás nervoso, inquieto, angustiado, a tua musculatura se enrijece, a tua postura se altera, a tua concentração se perde? Nenhuma técnica do mundo permite a um intérprete executar com perfeição qualquer peça se o seu instrumento não está em adequadas condições para produzir música. Imagine um violino quebrado ou desafinado. Imagine um piano sem cordas. De que adianta a técnica do violinista ou do pianista em situações assim?
- Então, o que fazer quando o que nos falta não é o conhecimento, mas o controle para utilizá-lo quando necessitamos?
- Cada qual escolhe a maneira que melhor lhe aprouver para superar este obstáculo. Posso lhe dizer, todavia, que, para mim, este é o momento da fantasia.
- Momento da fantasia?
- Sim. O momento da fantasia é aquele momento em que suplantas o comum, o natural e assumes definitivamente que ele te pertence. Não importa o teu tamanho, só conseguirás ser grande se te pensares como grande, só conseguirás ser sublime se te pensares como sublime. Ali construirás a fantasia daquilo que és e, se tiveres suficiente convicção e empenho, te tornarás ela.

Naquele dia, o aluno saiu da aula pensativo, pois entendeu que o sofrimento do corpo e do espírito não desafina somente o canto, desafina a vida.